segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

"Cresça a massa no alguidar, e as almas na glória, Ámen"










Hoje tive a sorte de presenciar uma das mais antigas tradições da humanidade e que, nos dias que correm, mais parece uma recriação museológica, para mostrar como se fazia.
Quando o Ludgero me telefonou a dizer que a sua sogra ia cozer pão, parei tudo, pois finalmente, e enquanto adulto, ia poder assistir a este verdadeiro ritual do pão, com rezas e sinais da cruz, não fosse a coisa correr mal. Todo o processo é moroso mas, infelizmente, não cheguei a tempo de ver amassar a farinha, usando fermento caseiro. 
Da fornada fez parte o "pão de cabeça", pão doce, pão com chouriço, batata doce e, por fim, três tabuleiros de amendoins, ou como se diz cá por baixo, "alcagoitas". Tudo foi provado, tendo por companhia um belo pôr do Sol. Só tenho pena de não poder partilhar convosco o cheiro do pão quente, acabado de sair do forno...
Infelizmente, tudo isto parece ter os dias contados, e assim se perde aquilo que faz parte da alma de um povo...

3 comentários:

  1. Zé Júlio, que fome que tudo isso me deu!
    Compro o "pão de cabeça" em Estremoz, que é pesado, saboroso, mas não escuro, como eu julgava que fosse a massa de pão naquela região.
    Na minha anterior casa, para os lados de Pombal, tinha forno a lenha que eu próprio acendia e preparava para o cozer da broa. O melhor pão que ali se fazia, sem dúvida alguma.
    A farinha que tinha de ser moída em moínho próprio, pois, segundo os mais velhos, nada como o "sabor da pedra" misturada com a farinha, para dar ao pão o sabor caraterístico.
    Depois a ciência da mistura certa de centeio, trigo e milho, que teria de ser do branco. 50% de milho para o restante, uma mistura de trigo e algum pouco de centeio, para dar aquilo que se denominava de uma broa "lambareira" (nome que se lhe dava quando a mistura de trigo era maior, como esta, pois adocicava um pouco a massa).
    Vinha em seguida o ritual da levedura orgânica, "o crescente", que passava de casa em casa; juntava-se mais alguma massa e lá ia a levedura a caminho doutra mulher, a próxima a cozer.
    O levedar da massa coberta com um pano, as cruzes que se lhe adicionavam por cima e as rezas para que "a acrescentasse e a libertasse do mau olhado"!
    Faziam-se pequenos pães com uma sardinha dentro, outros, mais pequenos e com um pouco de nozes e passas, para os cachopos da casa, e o resto para as grandes broas ovais que chegavam a pesar até 1 kg!
    E o ritual do acender do forno era a minha função ... "olha que é até que as pedras do cimo fiquem bem brancas, a broa tem de ter lar!" ... "deixa uma quantidade de brasas à entrada, não as tires todas, olha qu'ela tem de ter côdea!". E eu obedecia!
    Aquela broa aguentava perfeitamente uma semana no grande gavetão de madeira da mesa da cozinha, sem que se lhe alterassem as qualidades, e o sabor ia refinando, até melhorando, à medida que o tempo passava!
    Já ninguém sabe cozer broa em minha casa! A antiga ciência perdeu-se ... e eu já não tenho forno!
    A última pessoa a cozer broa com alguma qualidade foi uma velha tia minha, a qual está à espera de morrer!
    Assim se alternam as gerações, com a perda de tradições e do verdadeiro sabor do pão de antanho
    Manel

    ResponderEliminar
  2. O Manel já me tinha falado das esplêndidas fotografias e deste seu post, acerca da prática de fazer pão, umas das muitas coisas em vias de desaparecer num mundo rural a morrer aos poucos. Cada vez me convenço mais que daqui a 20 anos, um quarto das aldeias portuguesas do interior vão desaparecer do mapa. Neste momento só lá vivem velhos, que brevemente morrerão e as casas, os campos serão invadidos pelas silvas.

    já não vi cozer o pão, mas comi o pão centeio preto da terra fria transmontana e nunca mais lhe esqueci o sabor. Deixaram de o fazer, pois as pessoas da terra associam-no à fome e à miséria dos tempos passados. Só nós, os burgueses endinheirados temos saudades desse pão.

    Enfim, deu-me para a nostalgia.

    Adorei a primeira fotografia. Que impacto.

    Abraços

    ResponderEliminar
  3. Gosh that looks so delicious. You always go to some really interesting places. I like the shot with you holding the bread....I can only imagine the smells. Hope you used a little butter on that fresh bread:)

    ResponderEliminar